sexta-feira, 19 de julho de 2013

Que seja doce.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Um conto

Um raio de sol escapava pelo pequeno buraco da cortina que permanecia fechada há dias. A luz contrastava com o tecido aveludado, vermelho sangue, traindo a escuridão do resto da casa dando-lhe um tom crepuscular. Olhando de perto, era fácil perceber os flocos de poeira pairando no ar.


Já fazia nove dias desde que ele se foi e que os pés dela adormeciam enquanto velava a porta que nunca mais foi aberta. Tudo parecia morto. Apenas o tempo mostrava vida enquanto colocava teias de aranha nos cantos e musgo nas paredes. Ela acariciava docemente a trama do sofá e, vez ou outra, se prendia em algum pedaço desgastado do forro. Os dedos se debatiam no emaranhado dos fios como peixes capturados por alguma rede esquecida pelo seu caçador, agonizando uma espera infinita. Joana possuía mãos delicadas e pequenas, seu toque macio provava a pouca intimidade com trabalhos manuais. Tinha um lilás intenso nas unhas que já começava a descascar.


Ele não voltaria, ela sabia. Embora não aceitasse o estado em que se encontrava após a sua partida. Nunca fora assim e essa suposta fragilidade a consumia. Tantos a possuíram em sua cama e sujaram seus lençóis, tantas juras vazias foram ditas a fio, amores eternos de uma noite só. Mas com ele não. Ulisses tinha sido um dos únicos que a fizeram romper a promessa de não se deitar mais de uma vez com o mesmo homem. Apaixonou-se por Joana no momento em quem provou do seu gosto e dos seus aromas. Aceitou a condição de dividi-la com outros para ficarem juntos.

Pega, enrola, molha, branco, lilás. Era um ritual. As sextas, sem falta, Joana sentava-se à beira da poltrona para pintar suas unhas. Ulisses observava o vaivém do palito de algodão na ponta se umedecer de acetona e correr os cantos borrados de esmalte. Era como se ouvisse um segredo. No fundo ele ouvia. Seus segredos ecoavam dentro de si, sua paciência esmaecia.


Ulisses amargava sempre que Joana cruzava a porta. Havia dias em que ela aparecia com marcas de mordidas e chupões no corpo, cabelos ainda úmidos, transpirando o cheiro de sexo. Às vezes com a alça da blusa ou com a calcinha rasgadas. Ela não avisava a hora de chegar, mas era sempre pela madrugada, não cometia a injúria de dormir com os outros. Sempre que chegava, observava Ulisses que fingia seu sono, dava-lhe um beijo na testa e ia banhar-se.

Por quase dois anos tinha sido assim. Os mesmos passos, o mesmo rito, como que ensaiado. Mas teve um dia que não. Numa dessas madrugadas Joana chegou em casa, entrou no quarto e sem olhar pra Ulisses, foi em direção a um espelho grande que pendia da parede, quase sempre riscado por algum recado que ela deixava pra ele. Tirou a roupa e ficou se olhando por um tempo. Seu olhar parecia perdido no reflexo que pela primeira vez lhe pareceu intruso. Enquanto se olhava, deslizava a mão pelo pescoço sentindo a penugem fina que lhe cobria a nuca. Ulisses observava com olhos semicerrados a estranheza da fuga da conhecida rotina. E ela continuava o movimento leve, rente às orelhas, entranhando nos cabelos, segurando-lhes firmes, fechando os olhos com força, como se obedecesse a uma ordem. Parecia uma redenção. Como se aqueles espasmos ainda que sutis revelassem confissões. Ulisses pensou em interceder, segurar os ombros dela e exigir verdades. Porque não o beijou assim que chegou? O que faz em frente ao espelho? Estava na cara que essa noite não teria sido como as outras. Com quem estava? Como ousava se entregar a tal ponto? Enquanto se perdia em suas indagações, foi interrompido pelo que via, preferindo sufocar-se em silêncio para observar. Joana olhava fixo seus próprios olhos no espelho, procurava, quem sabe, onde teria se perdido. Sua mão agora descia entre os seios, fazendo pequenos círculos em torno da aureola que enrijecia. A outra percorria o umbigo e, como se dançassem, as pontas dos dedos tocaram seu sexo. Trouxe a mão até o nariz e em comunhão com si mesma, tragou do seu próprio cheiro.

O borbulhar da água fervendo. Sempre gostava de ouvir o som da panela que anunciava o cheiro do café amargo. Ulisses dormiu pouco e se levantou com o amanhecer do dia. Estava faminto, decidiu preparar algo para ocupar a fome e a mente. Enquanto observava a chama do fogo debater-se no fundo da panela, lembrou-se da noite. Ela deitara na cama sem sequer lavar seu corpo, dormiu impregnada. Embebida no cheiro de outro.

Era agosto. O tempo parecia alongar-se. Joana percorria a casa em movimentos quase mecânicos, apenas para se aquecer, para esquecer. Levantava da poltrona para a cozinha, de lá para o banho e de volta para a poltrona. Era onde dormia. Onde transpirava uma espera inerte. Cultivava olheira na face e sebo nos cabelos.

Foi num domingo. Joana ouviu o telefone que já tivera sua linha cortada, tocar três vezes. De tanto tempo sem ouvi-lo, tardou a reconhecer seu sinal. Era Ulisses, finalmente. Em um telefone mudo ela ouviu voz a promessa do retorno no silêncio de sua vontade. Preparou um banho para o reencontro com essência de jasmim, era o que ele mais gostava. Ao mesmo tempo em que esperava a banheira encher, Joana escolhia a blusa preferida de Ulisses esquecida em seu armário. Passou ferro docemente nela enquanto a dizia sobre a falta que ele fez, o quanto sentiu saudades, mas que estava feliz por ter voltado. Em passos lânguidos, caminhou até a banheira abraçada à camisa xadrez. Deitou com esmero a roupa sobre a água e fez o mesmo em seguida. Entre gemidos e espasmos, possuída pela vontade do seu amor, ela enrolou as mangas em seu pescoço, sufocando seu ultimo suspiro. E calou. Calou a agonia da sua alma. A dor da saudade. Sua sede. Sua vida.

sábado, 9 de abril de 2011

Minhas letras estão cansadas de amontoar-se sob o mesmo espectro imaginativo...

terça-feira, 29 de março de 2011

Quanto desespero nesse olhar transbordando inquietações
Quanta aspereza nessa língua amarga
Quanto desengano, meu deus!
Quantas promessas vazias
Quantos desejos ludibriados
Que desventura me assola o peito
Quantas formigas aninhando-se em meus pés
Quanta cólera, deus meu!
Quantos sentimentos inconstantes
Quantos destroços

Quantos desvarios
Labores perdidos
Quantos sentimentos reversos
Quantas paredes em branco

Doses cavalares de ócio e caos
Quantos pensamentos contorcidos
Terra não fecunda
Quantos insetos nesses ouvidos
Quanto lodo, quanta lama!
Que desassossego!
Quantos gemidos sufocados
Quantas esporas nesse corpo
Que ossos perturbados
Quanta gordura nesses olhos
Quanta lamúria
Quantas vontades convulsas
Quantos versos gritados ao avesso
Quanto choro aos pés do verdugo
Quantos sopros vazios
Quanto medo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Abuso

Escrevo em linhas tortas esse canto
Torta como foice que se curva pra matar
Torta como se fosse
Enfrento essa derradeira lucidez que me cega
Grito com os olhos em agonia
São respostas o que procuro
Elas estão fantasiadas nesse baile
Mas eu não fui convidada à festa

Nesse terreno de palavras sem cor
Encontro-me parada, em desafio
Espero aquela que se pinte
E traga consigo o meu tom
Falo como quem consente
Como quem mente

Talvez não bastasse o pranto
E não basta
Chega de tantos tontos dizeres
O que me é ou me habita a não ser a dúvida?
A súbita vontade de querer mais
De ser maior

Estou faminta
E falta à mesa o pão que alimenta
Careço do que me nutre
Tenho andado profundamente faminta
Não queiram me enganar com migalhas
Tragam-me banquete

Não me coloquem vendas
Não maltratem meus olhos
Não me coloquem à venda
Não me apregoem pecados
Não me coloquem à júri
Com o que sou construo castelos invisíveis
Não tentem vê-los

Desenho com mãos fatigadas o meu pequeno universo
Como a carne crua do desencanto
Levo no meu peito arfante esse grito que nem se ouve
Caminho em tropeços nos quintais da vaidade
Samambaias crescem junto aos meus cabelos
Raízes brotam das minhas unhas
Profusos lírios florescem no meu sexo
E confusas borboletas proliferam-se nos meus olhos

Tenho as mãos calejadas de tanto moer meus medos
E pés convulsos que dançam em segredo
E língua sedenta qual planta na seca
E nariz que não sente o brilho das flores
E ouvidos que não ouvem o cheiro da música
Dedos que sequer se beijam
Pés que sequer bocejam
Boca que não chora, mas derrama

Dissolvo quereres em gotas que lavam
Carrego no ventre as mãos pesadas que escrevem esses versos
Caminho nos jardins do desassossego
E árvores de largas copas formam meu abrigo
O céu se esconde infinito
Teto de folhas, paredes róseas ou não mais
Deito meu corpo desnudo nos gramados da ilusão
E semiergo-me no instante inexpressivo entre a saudade e a dor.

sexta-feira, 5 de março de 2010


Seu olhar foi a pergunta de todas as minhas respostas

Me despiu

Arrancou minhas vestes

Seu olhar passeou pelos meus poros

Mordeu meus lábios

Deslizou em meus pêlos eriçando-os

Seu olhar derramou as palavras da tua boca

Espelhou sua alma

Seu olhar revirou meu sexo

Seduziu meu desejo

Conheceu-me ao avesso

Seu olhar ainda dança em minhas pupilas.

terça-feira, 2 de março de 2010


Dediquei preces
Colhi a tinta fresca dos sonhos para pintar minha fé
Habitei paisagens tardias
Anoiteci
Teci consciência ao que não consentia
Vendi meus ideais ao vento
Engoli a seco olhares furtivos
Fiz de mim acaso
Caminhei sôfrego em tuas pupilas
Despejei lamentos e culpa
Acolhi ilusões
Catei o fruto em teu umbigo
Lavei meus olhos em tua boca
Renasci
Colori minha tez
Era festa
Dancei nos pés da solidão
Fez-se tarde
Sobrou-me saudade

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Caxoxó

E foi aquela agunia do diabo

Aquele arrepio na espinha

Era tu que avinha lá de longe

Eita chamego gostoso da muléstia

Os dente nem se agüentava dentro da boca

E o zói quase pulava das caixola

Só de oiá que era ele

Dava um ribuliço nas perna

Chegá vinha uma quentura

E eu só via meu juízo indo longe

Que nem conseguia mais alcançar

Quando meu dengo aprochegou

Me deu um aperto danado que os osso chega estralou

E eu so pensano aqui mais eu

Eita que é hoje que nois se embola

E preparei minha camisola mais vistosa

Me banhei de alfazema e enfeitei os cabelo de flô

Foi quando meu dengo chegou pro nosso cantinho

Atarracado que era

Mas com o fogo que nois tava nem carecia de mais tamanho

E ele me bulinava de um lado

E era uma gaiatice de ôtru

Mai nois aprontou foi tanto

Que depois só foi vê o bucho crescendo

E nem diantou chorá pitanga

Quem mandou se isquecê de vestir o bicho?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

...E no instante em que renasci
O pouso de tua respiração
Tirou meus pés do caminho

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009



É uma dança
Orquestra imagética que ritma a essência dos seres
É beleza que desbrota sem esforço

Espetáculo de sentidos

Elementos cúmplices da pureza em forma bruta
É magia

Olhos de criança

Escola de sensações

Luz que expele
impulsos sinestésicos
Folião de cores
É um carnaval que surge em mim

Quando a natureza palpita em minhas veias

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Não sei ...
São tantas verdades
Eu
Sou o que sou
Quem sabe?
À mercê da verdade
Exaspero a maldade

quarta-feira, 3 de setembro de 2008


Vês!

Sou mais que a tez...

quinta-feira, 21 de agosto de 2008



"Minha alma é uma orquestra oculta
Não sei que instrumentos tangem e rangem
cordas e harpas, tímbales e tambores dentro de mim
Só me conheco como sinfonia"


Fernando Pessoa

segunda-feira, 11 de agosto de 2008


"A metafisica pareceu-me

sempre uma forma prolongada

da loucura latente"


Fernando Pessoa

domingo, 10 de agosto de 2008




Música

Poesia

Teatro

Fotografia

Eis o meu ópio

Eis o que devoro




*Anike Lamoso

sábado, 9 de agosto de 2008


Aceito ser usada e possuída pelas palavras
Sou uma prostituta de idéias
Abandonada após o coito.
Anike Lamoso

Uma voz soa dentro do meu âmago
O amor grita, se expele, transborda
Nesse instante atinjo a paz
Os sentidos sentem a si mesmos
Evoco sentimentos
A razão se perde
Guio-me pelo que?
É tão indescritivel o que sinto
Como de olhos vendados caminho tentando sentir,
agarrar algo de sólido
Mas é tudo tão vago, tão fugaz e fantasioso
O que é real? Até que ponto ele existe?
Delírios se misturam a visões que nem eu mesma as sinto
Acordada? Não sei se estou
Um sonho, uma ilusão, quem sabe?
Me vejo em antítese entre o eterno e o efêmero
Talvez tudo não seja senão um surto
Mas de quê?
Lucidez?
Loucura?
O que sou enquanto indago sobre tais questões?
Já não sinto o corpo, o físico
Existo enquanto penso?
Transcendo enquanto sou?


*Anike Lamoso
"As vezes me preservo
Noutras, suicido."
Z.B
"Um hálito de música ou de sonho
Qualquer coisa que faça quase sentir
Qualquer coisa que faça não pensar.."

Fernando Pessoa em Livro do Desassossego

sexta-feira, 8 de agosto de 2008


Começou de novo.
Rabiscos, palavras perdidas..
A busca incessante pela inspiração é tão torpe.
Tentamos buscar algo de real em meio a pensamentos soltos, vazios.
Agarrar algo de sólido que logo se perde.
Não há o que ser forçado.
As palavras nos escolhem.
Somos instrumentos descartáveis usados pelas idéias.
Ficamos grávidos delas e depois que a abortamos, nos tornamos inférteis.
Tudo se desintegra.
E nós,

inconformados, deixados ao acaso
viciados nessa lúxuria
lutamos contra a abstinencia buscando um casamento perfeito das palavras
Que tolos são os poetas
Não percebem o quão inúteis são.



*Anike Lamoso