segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Abuso

Escrevo em linhas tortas esse canto
Torta como foice que se curva pra matar
Torta como se fosse
Enfrento essa derradeira lucidez que me cega
Grito com os olhos em agonia
São respostas o que procuro
Elas estão fantasiadas nesse baile
Mas eu não fui convidada à festa

Nesse terreno de palavras sem cor
Encontro-me parada, em desafio
Espero aquela que se pinte
E traga consigo o meu tom
Falo como quem consente
Como quem mente

Talvez não bastasse o pranto
E não basta
Chega de tantos tontos dizeres
O que me é ou me habita a não ser a dúvida?
A súbita vontade de querer mais
De ser maior

Estou faminta
E falta à mesa o pão que alimenta
Careço do que me nutre
Tenho andado profundamente faminta
Não queiram me enganar com migalhas
Tragam-me banquete

Não me coloquem vendas
Não maltratem meus olhos
Não me coloquem à venda
Não me apregoem pecados
Não me coloquem à júri
Com o que sou construo castelos invisíveis
Não tentem vê-los

Desenho com mãos fatigadas o meu pequeno universo
Como a carne crua do desencanto
Levo no meu peito arfante esse grito que nem se ouve
Caminho em tropeços nos quintais da vaidade
Samambaias crescem junto aos meus cabelos
Raízes brotam das minhas unhas
Profusos lírios florescem no meu sexo
E confusas borboletas proliferam-se nos meus olhos

Tenho as mãos calejadas de tanto moer meus medos
E pés convulsos que dançam em segredo
E língua sedenta qual planta na seca
E nariz que não sente o brilho das flores
E ouvidos que não ouvem o cheiro da música
Dedos que sequer se beijam
Pés que sequer bocejam
Boca que não chora, mas derrama

Dissolvo quereres em gotas que lavam
Carrego no ventre as mãos pesadas que escrevem esses versos
Caminho nos jardins do desassossego
E árvores de largas copas formam meu abrigo
O céu se esconde infinito
Teto de folhas, paredes róseas ou não mais
Deito meu corpo desnudo nos gramados da ilusão
E semiergo-me no instante inexpressivo entre a saudade e a dor.